O Caminho do Guerreiro


Eu e Lia, minha esposa, sempre visitávamos a mãe dela. O bairro é no subúrbio do Rio de Janeiro, um lugar com alto índice de animais abandonados. Minha sogra chegou a ter alguns, mas a expectativa de vida deles sempre é mais baixa quando a pessoa mora em casa, pois saem correndo portão afora e, às vezes, são atropelados, pra não falar em envenenamentos. Já tínhamos trazido pra casa um gatinho que jogaram por cima do muro dela, o Milú, que está com a gente até hoje. Então fazia um tempo que ela estava sem nenhum animal estimação. Porém, um dia, quando chegamos lá e ela abriu o portão, uma coisa pequena e amarela correu na nossa direção e agia como se nos conhecesse há anos, era o Guerreiro, e esta é sua história. 

O padrasto de Lia não era a pessoa mais agradável do mundo. Ele já estava separado da minha sogra há vários anos, mas morava em uma casa no mesmo quintal da casa dela. Ou seja, estava ali toda vez que a visitávamos. Era inevitável. Também não era alguém que gostasse de animais a ponto de resgatar algum. O negócio dele era com passarinhos, que mantinha engaiolados. Mas, seja lá que tipo de pessoa fosse, seja lá que erros tenha cometido, talvez uma unica ação o tenha redimido de muita coisa. 

Um dia, ele estava andando pelo bairro e chovia bastante. Embaixo de um ponto de ônibus, um cachorrinho amarelo estava todo molhado e tremia. Algo na cena deve ter mexido com o velho que, mesmo sem ter grande paixão por animais de estimação, acabou por levá-lo com ele pra casa. Essa foi mais ou menos a história que ele contou. Ao perceber que poderia estar passando por alguém "fraco" só ter esse tipo de sentimento para com os animais, tratou de completar, "mas foi porque eu pensei que era o cachorro da vizinha que tinha fugido. A mãe de Lia nos contou que a vizinha não tinha cachorro. 

Minha sogra estava feliz com o Guerreiro, nome que ela mesma deu. Era uma companhia que a alegrava. E ele ficou com eles lá por mais ou menos um ano, até que chegou o momento em que minha sogra ia precisar de cuidados mais frequentes e ela veio morar conosco. O que seria do Guerreiro? De quem ele era afinal? Da minha sogra, que cuidava ou do padrasto, que o trouxe? 

Percebendo que eu e Lia íamos querer trazer o Guerreiro junto com minha sogra, ele agiu antes, entregando o cachorro para um vizinho,amigo seu. Mas, Lia nunca desiste. Como ela conhecia a pessoa, conversou com ele, falou do apego tanto seu, como da sua mãe pelo bichinho e ele o cedeu para nós. Guerreiro veio e logo notou a diferença de ambiente. Enquanto lá era bem mais quieto, com poucos carros passando pela rua, aqui era bem mais movimentado e barulhento. Ele levou um tempo para se acostumar. Mas, sua felicidade mesmo era estar junto de Lia e da minha sogra. Ele foi um alento para ela, até seus dias finais. 

Uma coisa impressioante é que já deve fazer uns sete anos que Guerreiro está conosco, mais o ano que ele ficou lá, com os dois, são oito. Guerreiro já foi encontrado adulto. Ninguém soube nos dizer sua idade aproximada. O mais interessante é que ele não perde o vigor. Quando sabe que vamos passear entra num estado frenético que parece que vai infartar. Na pracinha, às vezes está bem quieto, sentado ao meu lado, mas, às vezes dá uns pinotes e sai correndo atrás de Diana, Bela ou Ursa. Parece o Estranho Caso de Benjamin Button. 

Quando ele chegou já tínhamos a Lucy, nossa primogênita que já virou estrelinha e, depois de um começo nada amigável, os dois se deram bem. Mas, a maior amizade canina de Guerreiro seria com Diana, que veio depois dele, filhote, e ela se apegou muito ao Guerreiro. Hoje, duas vezes maior que ele, de vez me quando o cobre de beijos. 

O padrasto de Lia ainda o viu algumas vezes quando veio aqui visitar a ex-esposa, mas não retribuía o carinho que Guerreiro tentava dar. O fato de ele o ter resgatado foi algo fora da curva mesmo, como algo que tinha que acontecer, para que Guerreiro terminasse aqui com a gente. 

Não sabemos até hoje se ele se perdeu ou se foi abandonado. Provavelmente somos o terceiro lar dele, e não sabemos qual terá sido o longo caminho do Guerreiro até chegar aqui. 


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