Como Entrei em Uma Seita: Capítulo 1 - Primeiros Contatos

 


O LIVRO DA MINHA AVÓ

Entrar para uma seita de lavagem cerebral nem sempre é uma coisa que acontece da noite para o dia. Vários fatores vão se acumulando durante anos. No meu caso havia uma intensa insatisfação com a religião. A católica era uma religião de fachada para 99% de quem se declarava dessa vertente. Era a velha máxima "sou católico, praticante", que até mesmo eu já havia dito algumas vezes. Já  o protestantismo era uma religião de interesses, você ia lá para ganhar seu milagre instantâneo e deixava seu dinheiro suado. E olha que estou falando de comecinho da década de 1980 e não de hoje em dia, onde isso é muito mais escancarado. 

Dito isso, vamos ver como uma outra religião, uma seita na verdade, começava a entrar em minha vida sem nem eu mesmo saber. Tudo começou quando eu era garoto e ia na casa de meus avós. Eu gostava de lá porque havia muita coisa para se divertir, a máquina de escrver de um dos meus tios, a sinuca do meu avô, um tanque com pequenos peixes, e livros. Um desses livros era da minha avó, que nunca foi Testemunha de Jeová e deve tê-lo adquirido de uma delas. Seu título era, Meu Livro de Histórias Bíblicas. 

Eu ficava fascinado com as histórias e os desenhos. Histórias bíblicas sempre me atraíram desde os filmes bíblicos que passavam na TV, então, o livro, com suas ilustrações incríveis - uma especialidade das TJs - me deixavam admirado. Devo ter lido muitas vezes, msemo sem saber que era de alguma religião específica. Esse foi realmente o primeiro contato. Só viria a saber que era um livro deles, anos depois. Porém, um contato mais direto com publicações das TJs viria em poucos anos. 


A SENTINELA DESPERTA NA PADARIA

Eu tinha 11 anos de idade quando, vendo minha mãe criar a nós quatro sozinha, eu perguntei a ela se eu poderia trabalhar. Ela sabia que eu conseguria, então arrumou um emprego em um armazém do bairro. Não fiquei muito tempo mas, no ano seguinte, aos 12, ela conseguiu que eu trabalhasse em uma padaria num bairro mais distante. Como era quase de frente à minha escola, era só sair da escola e ir pro trabalho. 

Era uma padaria pequena, de pouco movimento. Eu estava entrando no lugar de uma garota de 18 anos,. Denise, que estava de saída. Ela ficou apenas o suficiente para me ensinar o trabalho. Então, era só o dono, Seu Fausto, e eu. Não havia nada de difícil, a não ser talvez aos domingos, pois havia feira bem na rua da padaria e o movimento era muito mais intenso, uma mudança drástica em relação à segunda ao sábado. 

Nesses dias eu ficava muito à toa, depois que fazia a limpeza na parte da manhã e que o movimento do pessoal comprando pão, acabava. O que fazer nesse tempo? Eu lia os gibis que eu comprava em uma banca de jornal próxima. Lia até mesmo os quadrinhos dos jornais velhos que ficavam guardados na padaria. Li tudo, até que não havia mais nada. O que mais ler então?

Embaixo do balcão, além dos jornais velhos, havia umas revistas que eu não conhecia. Havia muitas mesmo. Uma se chamava Sentinela e a outra Despertai! Mais tarde fui entender por quê o Seu Fausto as tinha. Ele as comprava de um homem, Testemunha de Jeová. Era uma espécie de assinatura. Também parecia ser um meio de ele dizer, "olha, já compro as revistas, então não precisa me perturbar me chamando pra sua religião", e assim era, o homem não pregava pra ele, só entregava as revistas e ia embora. Com isso, ele acumulou muitas. 

Eu comecei a lê-las. E não parava. Apesar de muito novo, eu conseguia entender bastante do que era dito ali. Havia muita coisa sobre Fim do Mundo, Armageddon, coisas sobre profecias, e etc, isso na Sentinela. A Despertai era mais uma revista de material genérico, coisas sobre tecnologia, o mundo, política e etc, mas, sempre com um fundo religioso-doutrinário. Aquilo estava mexendo com minha cabeça, mesmo que eu não percebesse naquele momento. Eram coisas que ficariam fermentando. Tanto que eu passei a dizer que, "se fosse entrar em uma religião, seria para as Testemunhas de Jeová". Era praticamente uma profecia. 


ÚLTIMO CONTATO DE TERCEIRO GRAU

Eu fiquei três anos trabalhando na padaria. Ou seja, saí de lá com 15 anos. Só iria entrar para a religião aos 21 anos. Então ainda tive muito tempo, trabalhando em vários lugares, incluindo na Fábrica de Biscoito Piraquê, onde eu estava quando tudo aconteceu. O começo da minha lavagem cerebral se aproximava e os eventos que levaram a isso teve a ver com meus últimos contatos com as publicações deles, antes de me engajar de vez. 

Novamente minha sede de ler teve a ver com a situação. Eu estava sem ter o que ler e soube que um amigo do bairro tinha livros das Testemunhas de Jeová. Ele estava estudando a Bíblia com elas, mas nunca se tornou. Me lembrei dos meus dias da padaria e de como gostava das publicações daquela religião, então fui até ele e pedi as que ele tinha emprestadas. 


Eram três. A primeira e mais importante para minhas decisões subsequentes era Poderá Viver Para Sempre no Paraíso na Terra. Nesta época era justamente o livro que eles usavam para estudar a Bíblia com os que se interessavam. Como o nome já diz, as TJs ensinam e acreditam que o paraíso será na Terra. Para  mim, parecia muito mais viável. Eu gostava da ideia. 

O segundo era A Vida - Qual a Sua Origem - A Evolução ou Criação? Lendo aquilo parecia que as TJs tinham resposta para tudo. Porém, se eu analisasse friamente era muita bobagem escrita. Entre elas, que a Terra teria seis mil anos, aludindo aos seis dias da criação. Sem contar homem feito de barro, cobras falantes e etc. Mas, eu já estava meio que controlado pela narrativa. 

O terceiro era Os Jovens Perguntam - Respostas Práticas, que poderia muito bem se chamar Velhos Cagando Regras Para a Juventude. Capítulos e mais capítulos sobre coisas que os jovens não podiam fazer. Mas, lendo, pareciam apenas "respostas práticas". 

Depois de ler essa última leva de publicações deles, eu me decidi: iria ser uma Testemunha de Jeová. E é onde começará nosso próximo capítulo. 


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