Jerusalém Jones e as Ruínas de Malpaso





A lógica de Jerusalem Jones era uma das piores possíveis. Cavalgando já alguns dias, ele estava em algum lugar a leste de Malpaso quando deu de cara com estranhas ruínas. Certamente uma pessoa normal circundaria aquilo e iria embora. Mais ainda se ela recebesse um aviso. Mas não Jerusalem Jones. 

- Minha cicatriz está ardendo, queimando. E parece piorar quanto mais me aproximo destas ruínas. Parece ser um cemitério indígena e, se for isso, é com certeza um lugar cheio de problemas. Vou atravessar pois estou com pressa. 

J.J. passava os dedos pela cicatriz no lado esquerdo do pescoço. Ainda conseguia sentir as marcas dos dentes da morta-viva que quase o matou. A mordida em si não fora tão grave. Ele conseguiu se livrar dela antes que o pior acontecesse. Mas, é claro, aquela mordida o contaminou e ele só se salvou graças aos poucos amigos que tinha, os índios. Não todos, claro, mas aqueles que importavam para ele. 

Quando Duke colocou a primeira pata dentro da área das ruínas, a cicatriz queimou, literalmente, o pescoço de J. J. e ele desmaiou caindo de cima do cavalo. Ainda conseguiu pensar em por que diabos ele não deu a volta, antes de bater no chão com toda força. 

Jones não sabe quanto tempo passou desacordado. Tentou abrir os olhos, mas não conseguiu. Na verdade, o que aconteceu foi que sua visão foi clareando. O dia estava chegando ao fim. Achou estranho que não conseguisse piscar, nem fechar os olhos. Na verdade, tudo estava estranho nele. 

Quando foi coçar a cabeça, Jones sentiu sua espinha se arrepiar toda. Passou a mão pela cabeça e desceu para o rosto. Abriu a boca para gritar, mas não saiu som algum. Ficou desnorteado por alguns segundos. Olhou para as mãos e só teve a constatação do que já havia entendido. Ele era a porra de esqueleto! 

Demorou a perceber, mas estava com duas flechas cravadas no tórax e não conseguia entender o motivo delas estarem ali. Bom, o fato é que ele não entendia o fato de nada daquilo. Era um das situações mais inesperadas que já vivera. Ou morrera, sei lá. 

Duke ainda estava ali. Comia tranquilamente o resto de mato que havia nas ruínas, como se nada estivesse acontecendo. J. J. foi até ele e o olhou de frente e... nada. Para o cavalo tudo parecia normal. Será que apenas eu me vejo e me sinto assim? pensou ele. 

Olhou em volta e viu que as ruínas ocupavam um espaço bem maior do que parceia quando estava do lado de fora. Não sabia dizer se era mesmo um cemitério indígena, e também não estava a fim de conferir. Só sabia que precisava sair daquela situação. Tentou tirar as flechas e elas não saíam. Resolveu se sentar e esperar que aquele pesadelo acabasse. Foi quando ouviu algo. 

Um pouco distante ouvir um cavalo se aproximando e havia uma pessoa nele, um homem. Por um instante pensou que fosse ele mesmo, mas não era. O homem saltou do cavalo e olhou para dentro das ruínas, sem entrar. J. J. estava na direção de seu olhar, mas ele parecia não vê-lo. Foi quando uma segunda pessoa apareceu, por detrás dele. Era uma índia jovem, de uns 14 anos. Apache talvez. Era parecia muito zangada. 

O homem entrou nas ruínas e foi em sua direção. Ela puxou um arco e retirou uma felha de uma aljava e apontou para o homem. Jones não estava gostando daquilo. Fazia-o se sentir estranho, como uma espécie de dèja vu. O homem falou:

- Anina, garota, eu vim até aqui, como prometi. Não quero conflito. Trouxe o cordão de sua mãe que você pediu. Mas, eu... não... a... matei! 

A garota parecia flutuar com a força do ódio. Seus olhos não se mexiam. Apenas miravam o homem, um capitão, ao que parecia, de algum forte por perto. Ela abriu a boca e falou algo em apache. 

- Anina, eu não me importo com seu ódio. Sua mãe estava doente e eu apenas pedi que ela ficasse que nosso médico iria tratá-la. Eu não quis que ela voltasse para a aldeia, pois sabia que shaman algum poderia tratar sua doença. Pneumonia não se trata com sandices indígenas.

Ela parecia entender tudo que ele dizia, mas respondia apenas em apache, e ele não entendia. Alguma coisa dizia a J. J. que ela sabia falar inglês. De súbito ela disparou a primeira flecha, quando viu que ele puxou a arma. Ele atirou e errou, a garota acertou. E eu já sabia onde. Ele ia disparar novamente, mesmo ferido, quando, como um raio, a garota disparou a segunda flecha, bem no meio do peito, e ele caiu. 

Ela se aproximou dele, caído:

- Anina, eu não ia... atirar em você, garota. Eu vi,... eu vi... um troço, um homem-esqueleto, atrás... de você. Mas, eu, eu te entendo. Você é igual sua... mãe. Ela teria...cof, cof... orgulho de você.

Anina chorava, mas ainda com ódio no olhar. 

- Eu... não.... ser... sua... filha!!!
- Do que você tá fa... - O homem morreu. 

Agora, além das duas flechas, eu tinha um buraco no meio do meu rosto esquelético. A menina se virou rápido, como se ouvisse meus pensamentos. Uma névoa baixara e ela procurava me enxergar, mas não conseguia me ver. A névoa não era tão densa, mas deixava tudo mais fantasmagórico.

- William? - ela perguntou olhando para o nada. Olhou de volta para o corpo, como se dissesse, não, você está aqui, na minha frente. Anina deu meia volta e se foi, desaparecendo na névoa irritante. 

J. J. se aproximou do homem morto e, por algum motivo, fez um sinal da cruz em sua fronte. De repente o homem agarrou seu pulso ossudo e J. J. apagou de uma vez só. 

Quando acordou de novo, Jones estava no lugar em que o homem caíra. Levantou já entendendo que tinha voltado ao normal. Ou quase. Sua cicatriz, por mais estranho que pareça, havia desaparecido. Ele não entendeu bem o seu papel naquele drama. 

Ele sabia que, se procurasse encontraria um túmulo ali, para William, e talvez até soubesse quem voltara e o enterrara, mas preferia não procurar por ele. Talvez William precisasse terminar algo, ter certeza de algo que ficou inacabado. Quando Anina passou por ele, por J. J., ele viu o rosto dela manchado pelo ódio e pela tristeza de perder a mãe. mas, viu também que ela se parecia com o tal capitão. Ele soube que era verdade, e talvez William também. Em algum lugar. 

Duke dormia em pé. Jones subiu nele e deixou as ruínas para trás. Resolveu voltar por onde entrou e circundá-la. Não queria saber demais fantasmas. A noite estava caindo e ele estava com sono. Estava morto de sono. 


Comentários

  1. Quando mais ou menos Masno final doa anos 90 e inicio dos anos 2000 eu gostei tanto de uma história do Jerusalém Jones que comecei a desenhá-la em formato HQ mas infelizmente não completei, acabei por perder a arte e agora só é possível ver um pedacinho da arte no título de um site antigo meu que nunca mais atualizei. Mas ainda tenho vontade de fazer garagemdasideias.wordpress.com

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